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quinta-feira, 29 de dezembro de 2011

PM na USP: O Desmonte do Pensamento

Por Paloma F. Amorim e Paulo V. B. Toledo

"Acredite apenas no que seus olhos vêem e seus ouvidos ouvem!

Também não acredite no que seus olhos vêem e seus ouvidos ouvem!

Saiba também que não crer algo significa algo crer!" (B. Brecht)



A Polícia Militar patrulhando a Universidade de São Paulo vem engendrando ferrenhas batalhas ideológicas nas páginas da imprensa e nos oceanos virtuais. De um lado, o neo-conservadorismo vem mostrando os dentes, destilando indiscriminadamente as mais absurdas desqualificações e preconceitos, bem como expondo sem receio seu amor obtuso à moral e os bons costumes. O obscurantismo destes insiste em dizer que as reivindicações dos estudantes são apenas birra de “filhinhos de papai” desejosos de privilégios injustificáveis. Como todo esmagamento ideológico, tal processo nega-se violentamente a observar as coisas em perspectiva histórica e solapa toda e qualquer possibilidade de debate crítico.

Mercado

A Universidade de São Paulo há anos vem sendo dissolvida como um espaço livre do pensamento crítico e reerguida como um grande celeiro fiel ao mercado para formação de mão-de-obra especializada. O processo é violentíssimo, mas, ao mesmo tempo, silencioso e, como tal, apaga a trajetória histórica e cria ilusões de naturalidade do projeto. De vinte anos para cá, assistimos uma transformação gigantesca nas bases da USP, mas a ideologia atua de maneira tão sagaz que faz parecer que tudo sempre foi assim: a) As Fundações Privadas que atuam dentro da USP, a despeito de sua prática inconstitucional, determinam, hoje, com financiamento direto o teor de boa parte das pesquisas da universidade, orientando-as aos seus interesses privados; b) Grandes Corporações passaram a operar dentro dos cursos, influenciando, inclusive, seus currículos – com o objetivo de formar profissionais que completem seus quadros; c) Projetos de formação massificada à distância vêm sendo implantados sem nenhuma discussão com a comunidade acadêmica, tornando a universidade uma fábrica de formação de mão-de-obra dissociada da pesquisa e do pensamento crítico; d) Cursos voltados à reflexão social e dissociados das engrenagens do mercado vêm sendo sistematicamente sucateados, com diminuição de recursos, de representação nas instâncias decisórias, de renovação docente e até mesmo de espaço físico; e) O trabalho dentro da universidade caminha cada dia mais para a precarização total, limpeza e segurança dos prédios já são 100% terceirizadas e, agora, responsabilidade de empresas criminosas que submetem seus empregados a trabalho semi-escravo em períodos de mais de 10 horas, muitos sem registro trabalhista ou mínimas condições humanas de trabalho; f) O movimento estudantil e os sindicatos de trabalhadores e professores são criminalizados internamente, calados por meio de intimidação e desqualificados constantemente com o auxílio de uma mídia ideológica sempre disposta a enterrar o pensamento crítico; g) E, por fim, a gradual entrada da Polícia Militar no campus com a finalidade de assegurar tal processo acachapante de desmontagem da Universidade Livre para a montagem da Universidade do Mercado.

Trator neoliberal

O movimento estudantil, a despeito de sua constante dificuldade organizativa, busca atuar no contra-fluxo do trator ideológico neoliberal de modo a se contrapor a todo este processo de desmontagem da universidade. E é justamente por isso que mesmo com a oposição ferrenha e encarniçada de toda a mídia, o movimento vem crescendo (com assembleias históricas com mais de três mil estudantes) e já consegue ampliar suas pautas, verticalizar o debate e evidenciar a verdadeira discussão por trás da simplificação medíocre que o obscurantismo faz.
A entrada da PM na USP não é uma política de segurança da reitoria. A Polícia Militar no Brasil é uma instituição resquício da ditadura militar, uma corporação cujo objetivo é tão-somente a manutenção da ordem política no seio da sociedade (e que ostenta ainda hoje, diga-se de passagem, um brasão de 18 estrelas, as quais simbolizam, entre outras efemérides, a comemoração do massacre em Canudos, a repressão a greve geral de 1917 e a comemoração da “Revolução” de 1964).

Repressão

Por tal prática de repressão político-social, a PM foi extremamente útil durante o regime e, hoje, continua a agir com fins a assegurar a ordem de exploração e desigualdade na sociedade brasileira – seja na repressão ao MST e movimentos sociais, seja nas operações de guerra espetacularizadas nas favelas cariocas, seja na universidade. A Polícia Militar no campus da Universidade de São Paulo serve unicamente a manter e consolidar o processo neoliberal de desmontagem da universidade pública. Com sensacionalismo oportunista, o corpo dirigente da USP explorou o triste incidente do assassinato de um estudante no início do ano para justificar um convênio político com a Polícia Militar, e viabilizar assim a entrada de seus cães prontos a manter operante o processo de desmontagem do pensamento. Não é por acaso que o grosso do policiamento ostensivo da PM na USP concentra-se no entorno da Reitoria e da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH). Também não é acaso que uma das frentes de atuação da PM no campus é a infiltração de militares nos movimentos e manifestações. Práticas que nada tem a ver com segurança.

A ação da Polícia na desocupação do prédio da reitoria, com mais de 500 militares envolvidos, foi um espetáculo perverso de intimidação e demonstração de força – triste autoritarismo pedagógico –, com lamentáveis relatos de tortura, violência contra moradores da moradia estudantil e provas plantadas no interior do prédio desocupado – mentira avalizada e disseminada pela mídia. 73 estudantes foram arbitrariamente presos na ação. Quando estavam prestes a serem liberados, uma “ordem superior” orientou a qualificação de flagrante por desobediência civil, danos contra o patrimônio público e crime ambiental – procedimento obscuro que deixa claro o caráter político das detenções.

Democracia

Para coroar o processo trágico na universidade, o Governador Geraldo Alckmin declarou com cinismo repulsivo que os estudantes da USP necessitam de uma “aula de democracia”. Finge esquecer, todavia, que a estrutura de poder da Universidade de São Paulo responde ainda ao medieval estatuto de 1972 (redigido sob influência militar) apenas maquiado no final de década de 1980; ou ainda que a USP é uma universidade pública que mantém uma estrutura administrativa absolutamente anti-democrática, com nenhuma participação da comunidade acadêmica na escolha do Reitor ou da composição do Conselho Universitário. O emérito moralista tucano esquece ainda que seu antecessor e aliado, José Serra, transformou o já nada democrático processo de escolha do reitor em um procedimento arbitrário e personalista ao referendar como reitor o segundo nome mais votado pelo Conselho Universitário. Não bastasse isso, o nome escolhido a dedo pelo então governador foi o diretor da Faculdade de Direito Prof. João Grandino Rodas, marcado pelo trato autoritário e conservador, bem como pela simpatia mal dissimulada ao período negro da ditadura militar brasileira. Nisso, tragicamente, há coerência com o projeto orquestrado na USP.
A Greve de estudantes da Universidade de São Paulo que se seguiu a desocupação violenta da reitoria – com adesão e apoio surpreendentes – não significa interrupção do pensamento e da vida acadêmica, mas sim a alternância vetorial do pensamento crítico: das salas de aula para as veias abertas da contradição social.



Paloma Franca Amorim e Paulo V. Bio Toledo representam os estudantes em greve do Departamento de Artes Cênicas da Universidade de São Paulo

VIA: http://carosamigos.terra.com.br/index2/index.php/artigos-e-debates/2164-pm-na-usp-a-desmontagem-do-pensamento

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