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domingo, 15 de julho de 2012

Cidades amazônicas desarborizadas. São mesmo amazônicas?


A recente constatação do IBGE de que Manaus e Belém, os maiores núcleos urbanos da Amazônia, possuem as ruas e praças mais pobres de cobertura vegetal entre as cidades brasileiras com mais de 1 milhão de habitantes não é uma surpresa para quem conhece as duas cidades.
Centro de Belém, Pará. O verde exuberante em meio à massa de concreto é uma exceção (Fotos: Manuel Dutra)
 Vez por outra fala-se no “aumento do calor” nestas e em outras cidades médias da região, creditando isso a “mudanças climáticas”, “efeito estufa” ou produto da devastação da floresta lá longe do burburinho dos aglomerados humanos. Perambular pelo centro de Manaus ou de Belém ainda pode oferecer à visão uma paisagem urbana relativamente humanizada, lembrança dos primeiros construtores dessas cidades. No entanto, deixando as áreas centrais, logo se perceberá que o maciço urbano vai se tornando um inferno de quentura, podendo-se afirmar, com relativa certeza, que não se trata tão somente do calor úmido típico da Amazônia, mas calor agregado pelo crescimento populacional que exige a abertura de novas áreas, novas construções, asfalto. O que primeiro desaparece da paisagem são árvores. O calor da Amazônia nem sempre foi assim. No meado do século 19, Henry Bates, que residiu por algum tempo em Santarém realizando pesquisas diversas sobre insetos, escreveu em seu livro O Naturalista no Rio Amazonas que, na vila recém-elevada a cidade, existente na confluência do Tapajós com o Amazonas, havia um “glorious wether”, ou seja, um clima glorioso. Dito por quem vinha de um clima totalmente distinto, e que se aventurou nos Trópicos durante 11 anos, são palavras para se refletir e indagar: o que fizemos de lá para cá que tornamos nosso clima nada glorious? Bates só reclama de ter que desfilar de fraque preto, ao meio dia, “pelas ruas arenosas” para ir almoçar ao lado do Barão de Santarém, ao meio-dia. Bom, assim já é demais, quem desconhecia a própria região era o Barão, que exigia de Bates a pantomima de almoçar de fraque um século e meio antes do ar condicionado. A aversão às árvores ocorre não só nas duas metrópoles. Vá a Marabá e Santarém, por exemplo. Em Santarém fala-se cada vez com mais frequência no aumento do calor. Ocorre que nas últimas três décadas a cidade foi brutalmente desarborizada de duas formas: de um lado, a retirada do que havia de cobertura verde nas vias públicas, especialmente mangueiras e, de outro, por efeito do inchaço populacional, o completo sumiço dos coqueiros dos quintais das residências, o que fazia da cidade um imenso coqueiral. Os coqueiros desapareceram pelo evidente retalhamento dos terrenos para novas edificações assim como pelas doenças que afetaram a espécie, fato não estudado, mas que talvez tenha a ver com a própria agressão urbana. Situação semelhante se observa por todas as nossas cidades, em todos os quadrantes do Pará e da Amazônia. Algumas exceções há, como Rio Branco, no Acre, cujo centro tem avenidas particularmente belas, cobertas de vegetação exuberante. Porém, como é a regra, a cobertura vegetal se concentra nas chamadas “áreas nobres”, espécies de mostruário, que não revela uma política de arborização de toda a malha urbana, como se a árvore fosse apresentada num nicho a conservar uma lembrança do passado. Uma espécie de museu natural, como é em Belém o Bosque Rodrigues Alves, totalmente cercado de prédios e áreas devastadas. Saindo daqui, cadê as árvores e a qualidade de vida? Em Santarém há o bosque, muito bonito, na área do antigo aeroporto, hoje pertencente à prefeitura. Paragominas é coisa recente, já dentro do conceito de “sustentabilidade”, onde o verde vai retornando a uma cidade que já foi paradigma de devastação de tudo que é natural. Parauapebas tem a belíssima avenida quilométrica que sai do portão de entrada na Serra de Carajás, cortando o centro da cidade. Já no bairro de Betânia e toda a periferia, as ruas são peladas, como é a malsinada regra.
Santarém e a sua bela e decantada Orla Fluvial que só pode ser desfrutada plenamente de manhã cedo e a partir do final da tarde. Sem uma única sombra, durante o dia é uma fornalha
O que impressiona é o discurso hegemônico da conservação/preservação do verde amazônico, que se direciona tão somente para as áreas não urbanas e por isso um discurso feito pela metade, sinal de que a pauta ambiental, como está posta, desconhece (salvo as exceções) que a Amazônia é majoritariamente urbana. Nela existem os povos da floresta, mas existem também os povos das cidades desarborizadas, desumanizadas e calorentas, superpovoadas, em bairros infectos, situação insustentável. Para estes, no entanto, o discurso da sustentabilidade não diz respeito. O desprezo do poder público pela arborização tem explicações históricas, seculares. Ao avistar tamanha verdura no Novo Mundo, o invasor europeu estabeleceu uma linha de pensamento que se alonga aos dias de hoje: tudo isso é recurso, isto é, pode virar mercadoria e acumulação mercantilista num primeiro momento, e capitalista mais tarde. Daí se estabeleceu a noção arraigadíssima até hoje, 28 de junho de 2012, de que a floresta e, por extensão, a existência de árvores nas ruas das cidades, é um forte signo do atraso. Logo, a árvore e a natureza em geral, são incompatíveis com o progresso. Por isso, onde existe o verde, ele é conservado como coisa do passado, jamais como uma necessidade para a redução do calor, para a humanização da vida urbana, a saúde pública e para a beleza. Por isso, o poder público, quando isso ocorre, se sensibiliza por criar bosques, mas não em estabelecer uma política de humanização das cidades pela via da rearborização. Prega-se a sustentabilidade e ao mesmo tempo se põe o machado para funcionar. Uma cidade amazônica jamais deveria ser como é a quase totalidade das cidades da região. A ganância predatória da colonização já deveria ter saído da pauta, mas nós conservamos tantas heranças daqueles tempos que mudar esse quadro equivale a uma revolução, isto é, mudar de mentalidade. Enquanto não mudar, assistiremos a prefeitos mandando retirar árvores das ruas para passar asfalto, quando ambos poderiam conviver para a beleza e a saúde da população. Em Santarém, que me lembro, dois prefeitos fizeram isso. Ao mesmo tempo, nesta cidade, há alguns belos exemplos de trechos de ruas cobertos de verde e sombra refrescante por iniciativa dos moradores e não do poder público. Um princípio de mudança poderia ser a criação de leis que obriguem as construtoras a plantar uma árvore após tantos de metros de asfalto construído. E árvores que dêem sombra. Assim, o asfaltamento e toda obra urbana teria, como medida obrigatória, a revitalização das cidades amazônicas. Dessa forma, asfaltar e arborizar seriam uma obra só, desde o centro das cidades até seu mais distante bairro pobre. Há muitos anos, ao fazer uma reportagem para o jornal O Liberal, de Belém, num mês de setembro, de calor intenso, saí pelas ruas com um termômetro à mão. No centro, Praça da República, às 13h30, marcava entre 29 e 31 graus. O vento e a sombra tornavam o calor suportável e até agradável. Conforme íamos nos afastando das áreas densamente cobertas por mangueiras, o termômetro ia indicando o aumento do calor. Quando chegamos ao bairro de Canudos, pelado, anotamos entre 34 e 36 graus. Ao entrarmos numa sapataria onde vários trabalhadores batiam a sola, só de calção, sem camisa, o termômetro indicou inacreditáveis 40 graus. Indaguei: vocês não adoecem nesse calorão? Resposta: o pessoal se queixa muito de dor de cabeça. Da forma como são as nossas cidades, a começar das maiores, não haverá hospital nem posto de saúde que dêem conta da demanda, que enche corredores com doentes pelo chão, sem leitos disponíveis. Calor excessivo e agregado ao lado da ausência de saneamento, todos sabemos, são o ponto departida das multidões que entopem os hospitais. Coisas que jamais deveriam acontecer na Amazônia, uma região sadia e bela, mas que nós, estupidamente, a transformamos em doentia e feia.
MODIFICADO DE: http://blogmanueldutra.blogspot.com.br/2012/06/cidades-amazonicas-desarborizadas-sao.html

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