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sexta-feira, 7 de setembro de 2012

Somos Todos Expressionistas Austríacos


Eric Kandel nasceu em Viena em 1929, onze anos depois da queda do Império dos Habsburgos. Cresceu numa casa de Severingasse, perto de três museus. O Museu Médico de Viena, a casa de Freud e o Museu Belvedere. No Museu Médico de Viena conheceu o trabalho de Rokitansky. Com outros médicos famosos, Rokitansky, um anatomopatologista a quem alguns creditam a realização ou acompanhamento de mais de 100.000 autópsias, criou a medicina científica dos nossos dias, baseada na correlação clínico-patológica e na melhor evidência disponível. A Escola Médica de Viena foi, na segunda metade do século XIX, o centro da Medicina, ponto de partida de novas especialidades e pólo de atracção de várias gerações de estudantes de todo o mundo, muitos dos quais se viriam a destacar nos seus países de origem. Sigmund Freud foi o fundador da psicanálise. Mas foi igualmente quem primeiro chamou a atenção para a sexualidade infantil e o papel do inconsciente na percepção humana. Formulou uma teoria da mente e teve a ideia de que a psicologia científica teria de resultar do conhecimento do cérebro e do seu funcionamento. O Museu Belvedere é um bom local para se conhecer o movimento artístico que ficou conhecido como Expressionismo austríaco e que teve em Gustav Klimt, Oskar Kokoschka e Egon Schiele a máxima expressão. O que ligou uma Escola médica, a ciência da mente e o Expressionismo foi, para abreviar, uma cidade e um Salão. A cidade era Viena 1900, Viena fin de siècle, a capital cultural da Europa, nessa altura com dois milhões de habitantes e uma densidade nunca depois repetida de mulheres e homens talentosos e com bom aspecto. O Salão era o Salão de Berta Zuckerkandl. Adele Bloch-Bauer, imortalizada no quadro de Klimt. Hugo von Hofmannsthal e o romancista e dramaturgo Arthur Schniztler, que alguns acreditariam ser um nome literário de Freud . Gustav Mahler e Alma Mahler. O arquitecto Walter Gropius e Alma Mahler. Oskar Kokoshka e Alma Mahler. Wally e Egon Schiele. O filósofo Wittgenstein. Os arquitectos Adolf Loos e Otto Wagner. O cirurgião Theodor Billroth. Estes e outros, mais ou menos célebres, poetas e pintores, jornalistas, filósofos, estudantes, músicos, fotógrafos, médicos, investigadores, confluíam na Universidade e nos cafés, nos teatros e nas tertúlias dos salões. O salão dos Zuckerkandl era um dos mais célebres. Emil foi colaborador de Rokitanski, professor de Anatomia e uma das fontes de Klimt, talvez responsável pela viragem que o transformou de pintor inspirado em líder da Secessão, criador de um estilo fundado numa interpretação actualizada da biologia, da psicologia freudiana e das ciências médicas. Berta, a mais brilhante das mulheres de Viena, nas palavras de Johann Strauss o filho, era jornalista e crítica de arte e manteve o Salão em funcionamento cerca de 50 anos, até à anexação nazi da Áustria e à sua fuga para Paris. O Salão dos Zuckerkandl permitiu aquilo que hoje é condição e essência do conhecimento: a multidisciplinaridade, o encontro, conhecimento e confronto entre investigadores das mais distintas áreas, estes unidos pelo Modernismo, Freud e o fascínio pelas profundidades. Klimt e Schiele morreram no ano em que a gripe pneumónica acabou o serviço da Primeira Guerra Mundial e varreu da face da terra entre 20 a 40 milhões de pessoas. Freud teve de se exilar para Inglaterra onde acabou, entre a cocaína e o pior dos sofrimentos, vítima de um cancro desfigurante. A família de Eric Kandel também teve de deixar Viena, quando o fascismo austríaco tornou impossível a vida dos judeus. O pequeno Eric, com 8 anos, havia de crescer em Brooklin, estudar história e neurociências, psicanálise e biologia molecular, o sistema nervoso de um animal modesto e depois o nosso, a memória e os seus circuitos cerebrais. Em 2000, na sequência de um reconhecimento global, recebeu o Prémio Nobel da Medicina. Muitos anos antes em Boston, comprara uma litografia de Kokoschka, de uma série de retratos de adolescentes. O historiador de arte Ernst Gombrich disse-lhe um dia que Kokoschka era o maior retratista dos nossos tempos. Com Emile Zuckerkandl, neto de Berta e Emil, biólogo em Stanford e residente em Palo Alto, recordou as inúmeras notas que possuía do Salão. E ao longo de uma vida impar foi escrevendo um livro, The Age of Insight, o mais ambicioso de todos os livros, que parte da Viena de 1900, da arte em que se exprimiu a emoção inconsciente e que tinha atrás de si a psicanálise, para a psicologia cognitiva e a biologia da percepção visual e da resposta emocional à arte, através dos dados mais recentes das neurociências. Tudo isto numa linguagem correcta mas simples, criando a ilusão de que afinal estes temas centrais são acessíveis a todos, mesmo os que os Curadores e os epígonos de Damásio enxotaram das suas áreas reservadas. Um monumento de 32 capítulos, centenas de notas, comentários e referências bibliográficas excitantes, lindíssimas reproduções dos Expressionistas austríacos e das suas influências, incluindo o Beijo de Klimt e a quase paródia de Schiele, a boneca de Kokoschka , A rapariga e a Morte ou A noiva do vento. The Age of Insight: The Quest to Understand the Unconscious In Art, Mind and Brain, From Vienna 1900 to the Present , Eric R. Kandle, Random House, 2012 Este texto foi escrito a 17 de julho, em 67 minutos, esperando homologação na campanha conhecida como”dia de Mandela”.
 MODIFICADO DE: http://anaturezadomal.blogspot.com.br/

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